Através da história
foram atribuídos ao sangue diversos significados. Experiências com a coleta e a
transfusão foram feitas de inúmeras maneiras e com variados graus de sucesso.
Alguns dos passos mais importantes para a transfusão de sangue foram: a
descoberta dos tipos sangüíneos e a fundação dos bancos de sangue. Este
capítulo é um convite para que você descubra essa história de simbolismos,
inovação, sucesso e vida.
Destaques na
história da transfusão de sangue:
1667: Primeira
transfusão de um animal para um humano
1818: Primeira
transfusão de uma pessoa para outra
1901: Landsteiner
descobre os diferentes tipos sangüíneos
1914: Líquidos para
manutenção do sangue são desenvolvidos
1932: O primeiro
banco de sangue é estabelecido
1953: Bolsas feitas
de plástico são colocadas em uso
O poder e o simbolismo do sangue
Por sua conexão com
a vida e a morte, o sangue foi
associado por muitas culturas a simbolismo e poderes especiais, mágicos e
religiosos.
A visão
prevalecente nos povos primitivos era de que – como no canibalismo – ao se
beber o sangue de um animal ou pessoa era possível apoderar-se de suas
características. Após uma briga de gladiadores na Roma antiga, por exemplo, era
comum ver os membros da audiência correndo à arena para beber o sangue dos
animais e gladiadores que morriam.
Obtenção de sangue – sangrias e sanguessugas
Da mesma forma,
acreditava-se que o sangue possuía um poder natural ligado tanto a alma quanto
ao corpo. A idéia de ‘ajustar’ a quantidade de sangue em uma pessoa apareceu
cedo. Era claro que se uma pessoa perdesse muito sangue, esta morreria.
Os primeiros
experimentos com a coleta, que buscavam “ajustar” a quantidade de sangue da
pessoa, eram baseados na teoria dos quatro humores corporais de Hipócrates, o
pai da medicina moderna: o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra.
Cada um destes teria uma função particular e combinados dariam a cada pessoa
suas características pessoais e de personalidade.
A quantidade
relativa presente de cada um levaria ao estado de equilíbrio ou de doença e
dor. Assim, muitas doenças foram consideradas como sendo causadas pelo
desequilíbrio na distribuição dos quatro humores corporais.
De acordo com a
teoria, o sangue era o mais importante dos quatro – onde se encontrava a
paixão. Estivesse alguém insano, poderia ser curado através de uma sangria,
removendo assim, um pouco da sua paixão.
A sangria poderia
acontecer por meio de máquinas inteligentes, fazendo-se pequenas incisões na
dobra do cotovelo, ou aplicando sanguessugas. E não era usada apenas para
ajustar os quatro humores e tratar doenças. Durante o outono, a população rural
também costumava utilizar-se delas para melhorar a força, acreditando que estas
traziam uma energia extra.
Em uma ilustração
francesa de um dos capítulos do trabalho de Boccaccio ‘Decamerão’ podemos ver como
as sanguessugas eram usadas no tratamento medicinal, mas não de qualquer
pessoa. Neste caso o paciente não é ninguém menos que o Imperador Romano,
Galerius, que ficou confinado em sua cama com inúmeras sanguessugas aplicadas
em seu corpo. O texto sugere que o imperador sofria de uma doença especial que
causava a emissão de um odor terrível. Os três médicos ao lado de sua cama o
mostram claramente.
Sanguessugas foram
usadas até boa parte do século XX.
A obtenção de
sangue por meio de sanguessugas vivas foi praticada pelos médicos desde 50 a.C.
Primariamente usadas na cura de várias doenças, não é inimaginável que nossos avôs
e avós tenham tratado algumas de suas doenças com elas. Ainda hoje, em
farmácias especiais ao redor do mundo, é possível comprá-las para o tratamento
de doenças e hematomas.
As
primeiras transfusões de sangue – de um animal para um ser humano
Acreditava-se
realmente que a condição de uma pessoa poderia melhorar, se a sua quantidade de
sangue pudesse ser ajustada e algumas evidências sugerem que os antigos
Egípcios – aproximadamente mil anos antes de Cristo – já tentavam aplicar
sangue às pessoas.
Um dos primeiros
registros do assunto, feito no séc XV por Stefano Infessura, conta sobre a
infusão do sangue retirado de três jovens no Papa Inocêncio VIII, que estava
doente e em coma. No entanto, não existe comprovação de que o fato realmente
aconteceu.
No início do século
17, o médico inglês William Harvey (1578-1657) foi o responsável por uma das
mais importantes descobertas para a história da transfusão: a da circulação do
sangue – que é transportado do coração através de artérias e para o coração
através de veias. O coração – em que se acreditava estariam o amor e a fé,
entre outras coisas – fora agora ‘reduzido’ a uma mera peça de máquina vital.
Antes da descoberta
da circulação sanguínea, por William Harvey, diversos cientistas haviam
conduzido experimentos com a transfusão de sangue de gado, ovelhas, cachorros e
cavalos e a aplicação de todos os tipos de líquidos: vinho, leite, cerveja e
urina!
No entanto, ao
inserirem uma seringa – que na época era feita de prata – em uma veia que
levava o sangue ao coração, não havia pressão e o sangue coagulava dentro da
agulha. Se o mesmo era feito em uma artéria, havia muita pressão e o sangue
jorrava para fora. Obviamente, a pessoa que recebe o sangue necessita que o
oposto aconteça.
Curiosamente, foi
provavelmente pela falta deste conhecimento que muitas pessoas sobreviveram ao
recebimento de sangue animal: porque o sangue simplesmente nunca entrou na veia
do paciente!
Antigamente, a
pressão nas artérias era necessária para se coletar o sangue. Hoje é possível
retirá-lo com a aplicação de um bloqueio, o que é muito menos dramático. Quando
a bolsa é colocada abaixo do doador, o sangue corre para ela naturalmente.
No final do século
17, as descobertas eram tão abundantes que não se sabe ao certo quando
ocorreram as primeiras transfusões e a quem se deve creditá-las: se aos cientistas
franceses ou aos ingleses.
Na Inglaterra, por
volta do ano de 1665, Richard Lower, realizava diversas transfusões de sangue
entre animais.
Na França, Jean
Baptiste Denis, que além de outras coisas, era médico pessoal do Rei-Sol – Luis
XIV, havia levado a cabo um bom número de experiências com o sangue, considerando
suas funções e características. Em 15 de junho de 1667, Denis documentava a
primeira transfusão de sangue de um animal para um ser humano. Ele transfundiu
o sangue de um cordeiro em um garoto e em um doente mental (Antoine Mauroy) que
faleceu após a terceira transfusão.
Seis meses depois,
Richard Lower realizaria um experimento semelhante em Arthur Coga, também
doente mental, transfundindo nele cerca de um copo do sangue de uma ovelha. Ele
acreditava que dessa maneira poderia transferir as características dóceis do
animal e assim, curar a brutalidade de Coga. No entanto, o paciente se recusou
a continuar com o tratamento, ficando provavelmente mais doente, que gentil
como uma ovelhinha.
Sabemos hoje que o
sangue animal é muito diferente do sangue humano. Se o sangue de um animal
entrar nas veias humanas, os dois tipos de sangue reagirão um ao outro e
começarão a se aglutinar, e o paciente provavelmente morrerá.
No caso destas
experiências antigas, possivelmente o que evitava a transfusão, e por
conseqüência a morte, era a coagulação do sangue dentro do tubo entre o doador
e o paciente, para sorte dos mesmos.
A primeira transfusão de sangue envolvendo duas pessoas
Diversos experimentos foram feitos envolvendo a transfusão
de sangue entre duas pessoas. Entretanto, a primeira transfusão de sucesso
documentada foi realizada pelo doutor inglês James Blundell, que tratou uma
hemorragia pós-parto usando o sangue do marido da própria paciente. O caso
aconteceu em 1818, na cidade de Londres, 150 anos após as experiências com o
sangue terem ficado paradas por serem consideradas criminosas e proibidas
oficialmente.
Na década seguinte Blundell realizou cerca de 10
transfusões, com pacientes sobrevivendo a metade delas, anotando seus
resultados com precisão científica rara à época.
A forma de obtenção
do sangue também era uma questão que interessava Blundell. Principalmente
levando em consideração as emergências, razão pela qual Blundell considerou o
sangue animal impraticável. Como ele observou: “um cachorro pode vir quando
você assovia, mas a criatura é muito pequena. Um cordeiro pode parecer
apropriado para seus propósitos, mas não foi treinado para subir escadas”.
Naqueles dias, a
preocupação não era exatamente sobre quem deveria doar sangue. Há menção de que
uma proposta, feita na Alemanha, de perdão aos prisioneiros sentenciados a
morte que concordassem em doar sangue pelo resto de suas vidas. No entanto,
continua desconhecido se a idéia chegou algum dia a deixar de ser uma proposta.
A sacada de Landsteiner: A, B, AB, e O
Os resultados das
transfusões eram tão imprevisíveis quanto jogos de dados – entre outras razões
devido ao fato de que os diferentes tipos sangüíneos ainda eram desconhecidos.
Assim, o sangue de duas pessoas poderia ser incompatível, ou seja, se o doador
e o paciente não tivessem tipos sangüíneos iguais, o paciente poderia morrer.
Conseqüentemente, a
sacada mais importante da história da transfusão aconteceu em 1901 quando o
austríaco Karl Landsteiner descobriu os diferentes tipos de sangue humano. Em
1909 ele os classificou em A, B, AB e O como são tão conhecidos hoje, e mostrou
que ao se misturar certos tipos de sangue o resultado era desastroso.
Progresso durante as Guerras Mundiais
Muitas coisas ruins
podem ser ditas sobre a Guerra, no entanto, as grandes guerras foram o fundo
triste de experimentos e do progresso em muitos campos, inclusive o da
transfusão sangüínea. O primeiro banco de sangue móvel foi estabelecido na
Primeira Guerra Mundial, no campo de batalha da França pelo exército Inglês.
Durante os anos de
1914-16 diversos cientistas desenvolveram –de forma mais ou menos independente –
um líquido composto de água, citrato de sódio e glicose, que adicionado ao
sangue do doador impedia que este coagulasse. Isto pavimentou o caminho para as
formas de armazenamento do sangue, tornando desnecessária as transfusões
diretas do doador ao paciente. Conseqüentemente, no campo de batalha da França,
tornou-se possível guardar o sangue por 10-26 dias antes do uso.
Após a Segunda
Guerra Mundial, muitos médicos retornaram do fronte à seus lares. Devido a sua
experiência durante a Guerra, onde haviam visto os benefícios da transfusão de
sangue, por exemplo, nos soldados que precisavam ter suas pernas amputadas, eles
apoiaram o uso do sangue como forma de tratamento no mundo comum dos médicos.
Assim, nos anos após a guerra diversos bancos de sangue foram instalados em
todo o mundo.
O primeiro banco de
sangue hospitalar oficial foi instalado em Leningrado, em 1932, e em 1937 o
termo ‘banco de sangue’ foi utilizado pela primeira vez, quando um laboratório
que estocava o sangue doado foi instalado no Cook County Hospital em Chicago,
EUA. É digno de nota que neste banco o sangue era obtido através de doações
voluntárias.
Em 1940,
Landsteiner com a ajuda de Alex Wiener e do macaco Rhesus, tem uma nova e
importante sacada, descobrindo o que denominou de “Fator Rhesus”, responsável
pela maior parte das reações transfusionais da época.
Em 1953, o
armazenamento de sangue foi realizado mais constantemente pela introdução das
robustas bolsas de sangue plásticas. Até então, o sangue era armazenado em
garrafas de vidro - difíceis de transportar e altamente quebráveis.
O uso das bolsas de
plástico também tornou possível separar o sangue em suas partes dentro de um
sistema fechado, que seria aperfeiçoado nos anos seguintes. Da mesma forma, o
emprego científico dos anticoagulantes e o aperfeiçoamento do material
utilizado nas coletas e transfusões seriam essenciais para o desenvolvimento da
área.
Resumo e questões
Com o objetivo de
ajustar a quantidade de sangue no corpo humano, experiências com sangrias e
aplicação de sanguessugas foram realizadas durante séculos. Entre outras
coisas, as sangrias eram usadas para curar a insanidade, pois se acreditava que
a paixão era encontrada no sangue e que se parte desde fosse removido do
paciente, o mesmo seria curado. Sangrias também eram usadas no outono para
animar as pessoas, se estas sentissem necessidade de mais energia.
Experiências com
transfusões entre animais e humanos assim como entre pessoas, também foram
realizadas. Pensava-se que ao se transfundir o sangue animal a uma pessoa
também era possível transferir algumas de suas características. Que estes
experimentos não tenham matado a ninguém se deve provavelmente ao fato de que o
sangue nunca entrou realmente nas veias do receptor.
A primeira
transfusão de sangue entre duas pessoas aconteceu em 1818 e é atribuída ao
médico inglês Blundell. Além de tentativas de transfundir o sangue entre duas
pessoas, Blundell também se interessava pelas formas de obtenção de sangue.
Um marco na
história da doação de sangue foi estabelecido em 1901 com a descoberta de Karl
Landsteiner dos tipos sangüíneos humanos. Em 1909 ele descreveu e classificou o
sistema ABO, nos tipos sangüíneos A, B, AB e O utilizados até hoje.
Em conexão com as
duas Guerras Mundiais, outro passo foi tomado em direção da organização da
doação de sangue. Durante a Primeira Guerra veio a idéia de adicionar ao sangue
um líquido composto de água, citrato de sódio e glicose de forma a prevenir a
sua coagulação. Daquele momento em diante não foi mais necessário transfundir o
sangue diretamente do doador ao paciente. Esta descoberta levou ao
estabelecimento dos primeiros bancos de sangue em 1930. E em 1953 o
armazenamento de sangue foi facilitado pela substituição das garrafas de vidro
usadas até então pelas bolsas feitas de plástico.
- De acordo com Hipócrates, quais
os quarto humores que dariam a uma pessoa suas características e personalidade?
- Por que tantas pessoas
sobreviveram às transfusões entre animais e seres humanos?
- Como são chamados os quatro tipos
sangüíneos descobertos por Karl Landsteiner em 1909?
- Em qual década os primeiros
bancos de sangue oficiais foram estabelecidos?
- Como o sangue era armazenado
antes e depois de 1953?
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