sábado, 9 de junho de 2012

Capítulo 1 - A história do sangue




Através da história foram atribuídos ao sangue diversos significados. Experiências com a coleta e a transfusão foram feitas de inúmeras maneiras e com variados graus de sucesso. Alguns dos passos mais importantes para a transfusão de sangue foram: a descoberta dos tipos sangüíneos e a fundação dos bancos de sangue. Este capítulo é um convite para que você descubra essa história de simbolismos, inovação, sucesso e vida.


                 Destaques na história da transfusão de sangue:

                 1667: Primeira transfusão de um animal para um humano
                 1818: Primeira transfusão de uma pessoa para outra
                 1901: Landsteiner descobre os diferentes tipos sangüíneos
                 1914: Líquidos para manutenção do sangue são desenvolvidos
                 1932: O primeiro banco de sangue é estabelecido
                 1953: Bolsas feitas de plástico são colocadas em uso


O poder e o simbolismo do sangue
Por sua conexão com a vida e a morte, o sangue foi associado por muitas culturas a simbolismo e poderes especiais, mágicos e religiosos.

A visão prevalecente nos povos primitivos era de que – como no canibalismo – ao se beber o sangue de um animal ou pessoa era possível apoderar-se de suas características. Após uma briga de gladiadores na Roma antiga, por exemplo, era comum ver os membros da audiência correndo à arena para beber o sangue dos animais e gladiadores que morriam.

Obtenção de sangue – sangrias e sanguessugas

Da mesma forma, acreditava-se que o sangue possuía um poder natural ligado tanto a alma quanto ao corpo. A idéia de ‘ajustar’ a quantidade de sangue em uma pessoa apareceu cedo. Era claro que se uma pessoa perdesse muito sangue, esta morreria.

Os primeiros experimentos com a coleta, que buscavam “ajustar” a quantidade de sangue da pessoa, eram baseados na teoria dos quatro humores corporais de Hipócrates, o pai da medicina moderna: o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra. Cada um destes teria uma função particular e combinados dariam a cada pessoa suas características pessoais e de personalidade.

A quantidade relativa presente de cada um levaria ao estado de equilíbrio ou de doença e dor. Assim, muitas doenças foram consideradas como sendo causadas pelo desequilíbrio na distribuição dos quatro humores corporais.

De acordo com a teoria, o sangue era o mais importante dos quatro – onde se encontrava a paixão. Estivesse alguém insano, poderia ser curado através de uma sangria, removendo assim, um pouco da sua paixão.

A sangria poderia acontecer por meio de máquinas inteligentes, fazendo-se pequenas incisões na dobra do cotovelo, ou aplicando sanguessugas. E não era usada apenas para ajustar os quatro humores e tratar doenças. Durante o outono, a população rural também costumava utilizar-se delas para melhorar a força, acreditando que estas traziam uma energia extra.


Em uma ilustração francesa de um dos capítulos do trabalho de Boccaccio ‘Decamerão’ podemos ver como as sanguessugas eram usadas no tratamento medicinal, mas não de qualquer pessoa. Neste caso o paciente não é ninguém menos que o Imperador Romano, Galerius, que ficou confinado em sua cama com inúmeras sanguessugas aplicadas em seu corpo. O texto sugere que o imperador sofria de uma doença especial que causava a emissão de um odor terrível. Os três médicos ao lado de sua cama o mostram claramente.
Sanguessugas foram usadas até boa parte do século XX.



A obtenção de sangue por meio de sanguessugas vivas foi praticada pelos médicos desde 50 a.C. Primariamente usadas na cura de várias doenças, não é inimaginável que nossos avôs e avós tenham tratado algumas de suas doenças com elas. Ainda hoje, em farmácias especiais ao redor do mundo, é possível comprá-las para o tratamento de doenças e hematomas.

As primeiras transfusões de sangue – de um animal para um ser humano

Acreditava-se realmente que a condição de uma pessoa poderia melhorar, se a sua quantidade de sangue pudesse ser ajustada e algumas evidências sugerem que os antigos Egípcios – aproximadamente mil anos antes de Cristo – já tentavam aplicar sangue às pessoas.

Um dos primeiros registros do assunto, feito no séc XV por Stefano Infessura, conta sobre a infusão do sangue retirado de três jovens no Papa Inocêncio VIII, que estava doente e em coma. No entanto, não existe comprovação de que o fato realmente aconteceu.

No início do século 17, o médico inglês William Harvey (1578-1657) foi o responsável por uma das mais importantes descobertas para a história da transfusão: a da circulação do sangue – que é transportado do coração através de artérias e para o coração através de veias. O coração – em que se acreditava estariam o amor e a fé, entre outras coisas – fora agora ‘reduzido’ a uma mera peça de máquina vital.

Antes da descoberta da circulação sanguínea, por William Harvey, diversos cientistas haviam conduzido experimentos com a transfusão de sangue de gado, ovelhas, cachorros e cavalos e a aplicação de todos os tipos de líquidos: vinho, leite, cerveja e urina!

No entanto, ao inserirem uma seringa – que na época era feita de prata – em uma veia que levava o sangue ao coração, não havia pressão e o sangue coagulava dentro da agulha. Se o mesmo era feito em uma artéria, havia muita pressão e o sangue jorrava para fora. Obviamente, a pessoa que recebe o sangue necessita que o oposto aconteça.

Curiosamente, foi provavelmente pela falta deste conhecimento que muitas pessoas sobreviveram ao recebimento de sangue animal: porque o sangue simplesmente nunca entrou na veia do paciente!


Antigamente, a pressão nas artérias era necessária para se coletar o sangue. Hoje é possível retirá-lo com a aplicação de um bloqueio, o que é muito menos dramático. Quando a bolsa é colocada abaixo do doador, o sangue corre para ela naturalmente.


No final do século 17, as descobertas eram tão abundantes que não se sabe ao certo quando ocorreram as primeiras transfusões e a quem se deve creditá-las: se aos cientistas franceses ou aos ingleses.

Na Inglaterra, por volta do ano de 1665, Richard Lower, realizava diversas transfusões de sangue entre animais.

Na França, Jean Baptiste Denis, que além de outras coisas, era médico pessoal do Rei-Sol – Luis XIV, havia levado a cabo um bom número de experiências com o sangue, considerando suas funções e características. Em 15 de junho de 1667, Denis documentava a primeira transfusão de sangue de um animal para um ser humano. Ele transfundiu o sangue de um cordeiro em um garoto e em um doente mental (Antoine Mauroy) que faleceu após a terceira transfusão.

Seis meses depois, Richard Lower realizaria um experimento semelhante em Arthur Coga, também doente mental, transfundindo nele cerca de um copo do sangue de uma ovelha. Ele acreditava que dessa maneira poderia transferir as características dóceis do animal e assim, curar a brutalidade de Coga. No entanto, o paciente se recusou a continuar com o tratamento, ficando provavelmente mais doente, que gentil como uma ovelhinha.


Sabemos hoje que o sangue animal é muito diferente do sangue humano. Se o sangue de um animal entrar nas veias humanas, os dois tipos de sangue reagirão um ao outro e começarão a se aglutinar, e o paciente provavelmente morrerá.
No caso destas experiências antigas, possivelmente o que evitava a transfusão, e por conseqüência a morte, era a coagulação do sangue dentro do tubo entre o doador e o paciente, para sorte dos mesmos.


A primeira transfusão de sangue envolvendo duas pessoas

Diversos experimentos foram feitos envolvendo a transfusão de sangue entre duas pessoas. Entretanto, a primeira transfusão de sucesso documentada foi realizada pelo doutor inglês James Blundell, que tratou uma hemorragia pós-parto usando o sangue do marido da própria paciente. O caso aconteceu em 1818, na cidade de Londres, 150 anos após as experiências com o sangue terem ficado paradas por serem consideradas criminosas e proibidas oficialmente.

Na década seguinte Blundell realizou cerca de 10 transfusões, com pacientes sobrevivendo a metade delas, anotando seus resultados com precisão científica rara à época.

A forma de obtenção do sangue também era uma questão que interessava Blundell. Principalmente levando em consideração as emergências, razão pela qual Blundell considerou o sangue animal impraticável. Como ele observou: “um cachorro pode vir quando você assovia, mas a criatura é muito pequena. Um cordeiro pode parecer apropriado para seus propósitos, mas não foi treinado para subir escadas”.

Naqueles dias, a preocupação não era exatamente sobre quem deveria doar sangue. Há menção de que uma proposta, feita na Alemanha, de perdão aos prisioneiros sentenciados a morte que concordassem em doar sangue pelo resto de suas vidas. No entanto, continua desconhecido se a idéia chegou algum dia a deixar de ser uma proposta.

A sacada de Landsteiner: A, B, AB, e O

Os resultados das transfusões eram tão imprevisíveis quanto jogos de dados – entre outras razões devido ao fato de que os diferentes tipos sangüíneos ainda eram desconhecidos. Assim, o sangue de duas pessoas poderia ser incompatível, ou seja, se o doador e o paciente não tivessem tipos sangüíneos iguais, o paciente poderia morrer.

Conseqüentemente, a sacada mais importante da história da transfusão aconteceu em 1901 quando o austríaco Karl Landsteiner descobriu os diferentes tipos de sangue humano. Em 1909 ele os classificou em A, B, AB e O como são tão conhecidos hoje, e mostrou que ao se misturar certos tipos de sangue o resultado era desastroso.

Progresso durante as Guerras Mundiais

Muitas coisas ruins podem ser ditas sobre a Guerra, no entanto, as grandes guerras foram o fundo triste de experimentos e do progresso em muitos campos, inclusive o da transfusão sangüínea. O primeiro banco de sangue móvel foi estabelecido na Primeira Guerra Mundial, no campo de batalha da França pelo exército Inglês.

Durante os anos de 1914-16 diversos cientistas desenvolveram –de forma mais ou menos independente – um líquido composto de água, citrato de sódio e glicose, que adicionado ao sangue do doador impedia que este coagulasse. Isto pavimentou o caminho para as formas de armazenamento do sangue, tornando desnecessária as transfusões diretas do doador ao paciente. Conseqüentemente, no campo de batalha da França, tornou-se possível guardar o sangue por 10-26 dias antes do uso.

Após a Segunda Guerra Mundial, muitos médicos retornaram do fronte à seus lares. Devido a sua experiência durante a Guerra, onde haviam visto os benefícios da transfusão de sangue, por exemplo, nos soldados que precisavam ter suas pernas amputadas, eles apoiaram o uso do sangue como forma de tratamento no mundo comum dos médicos. Assim, nos anos após a guerra diversos bancos de sangue foram instalados em todo o mundo.

O primeiro banco de sangue hospitalar oficial foi instalado em Leningrado, em 1932, e em 1937 o termo ‘banco de sangue’ foi utilizado pela primeira vez, quando um laboratório que estocava o sangue doado foi instalado no Cook County Hospital em Chicago, EUA. É digno de nota que neste banco o sangue era obtido através de doações voluntárias.

Em 1940, Landsteiner com a ajuda de Alex Wiener e do macaco Rhesus, tem uma nova e importante sacada, descobrindo o que denominou de “Fator Rhesus”, responsável pela maior parte das reações transfusionais da época.

Em 1953, o armazenamento de sangue foi realizado mais constantemente pela introdução das robustas bolsas de sangue plásticas. Até então, o sangue era armazenado em garrafas de vidro - difíceis de transportar e altamente quebráveis.

O uso das bolsas de plástico também tornou possível separar o sangue em suas partes dentro de um sistema fechado, que seria aperfeiçoado nos anos seguintes. Da mesma forma, o emprego científico dos anticoagulantes e o aperfeiçoamento do material utilizado nas coletas e transfusões seriam essenciais para o desenvolvimento da área.

Resumo e questões

Com o objetivo de ajustar a quantidade de sangue no corpo humano, experiências com sangrias e aplicação de sanguessugas foram realizadas durante séculos. Entre outras coisas, as sangrias eram usadas para curar a insanidade, pois se acreditava que a paixão era encontrada no sangue e que se parte desde fosse removido do paciente, o mesmo seria curado. Sangrias também eram usadas no outono para animar as pessoas, se estas sentissem necessidade de mais energia.

Experiências com transfusões entre animais e humanos assim como entre pessoas, também foram realizadas. Pensava-se que ao se transfundir o sangue animal a uma pessoa também era possível transferir algumas de suas características. Que estes experimentos não tenham matado a ninguém se deve provavelmente ao fato de que o sangue nunca entrou realmente nas veias do receptor.

A primeira transfusão de sangue entre duas pessoas aconteceu em 1818 e é atribuída ao médico inglês Blundell. Além de tentativas de transfundir o sangue entre duas pessoas, Blundell também se interessava pelas formas de obtenção de sangue.

Um marco na história da doação de sangue foi estabelecido em 1901 com a descoberta de Karl Landsteiner dos tipos sangüíneos humanos. Em 1909 ele descreveu e classificou o sistema ABO, nos tipos sangüíneos A, B, AB e O utilizados até hoje.

Em conexão com as duas Guerras Mundiais, outro passo foi tomado em direção da organização da doação de sangue. Durante a Primeira Guerra veio a idéia de adicionar ao sangue um líquido composto de água, citrato de sódio e glicose de forma a prevenir a sua coagulação. Daquele momento em diante não foi mais necessário transfundir o sangue diretamente do doador ao paciente. Esta descoberta levou ao estabelecimento dos primeiros bancos de sangue em 1930. E em 1953 o armazenamento de sangue foi facilitado pela substituição das garrafas de vidro usadas até então pelas bolsas feitas de plástico.

  1. De acordo com Hipócrates, quais os quarto humores que dariam a uma pessoa suas características e personalidade?
  2. Por que tantas pessoas sobreviveram às transfusões entre animais e seres humanos?
  3. Como são chamados os quatro tipos sangüíneos descobertos por Karl Landsteiner em 1909?
  4. Em qual década os primeiros bancos de sangue oficiais foram estabelecidos?
  5. Como o sangue era armazenado antes e depois de 1953?

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